perdida numa roda eterna de uma cerimônia indígena
repetindo, repetindo o mesmo dia para ver se dessa vez conseguiria sair, mas tendo essa consciência aos poucos
lembrando em pontos diferentes dos marcos da cerimonia, que já tinha vivido aquilo
levemente angustiada
pensando em fazer melhor cada parte
sem entender porque estava presa
cheirei um sopro de fumaça de mandioca
isso foi inusitado
fui chamada por quem ja sabia, recebi uma marca, e marquei um rosto também, com uma gosma macerada dessa mandioca
mas eram vários marcos muito estranhos, parte de um todo, com funções masculinas e femininas bem delimitadas e em consonância, por vezes concomitantes
e eu me lembro daquele homem enorme indígena que eu fui numa cerimonia uma vez ali em Biguaçu, fazendo um canto e dança lindos, tudo mais de uma vez, repetido
e em tudo que vivia tentava me concentrar
porque eu tinha que achar o lugar certo de sair, estava presa na mesma cerimônia, e tendo ajuda, para tentar encontrar o ponto diferente e certo, de sair
mas aprendendo e entendendo simbolismos cada vez mais
achei que já ia acordar para trabalhar...
e ainda é só agora
e eu estou só aqui
com meu estômago embrulhado e explodindo
eu ein
estou dormindo, ou acordada aliás?..
lendo testos de amor do passado de uma pessoa triste parecida comigo escrevendo imagens bonitas de sua realidade, que por mil e outras vezes não será mais minha, e nem sua.
que pena que a vida passa, rindo da gente, da nossa presunção, inocencia talvez,
nosso tempo se esgota, nossa vida é finita
será que ela também quer que a gente ache uma brecha, antes de tudo repetir..
será que ela quer que agente desperte no processo, pra ver se saímos pela porta certa desse ciclo eterno, cerimonial e sagrado, de algo que vivemos que não é de nossa tradição, mas que nos reconhece, acolhe, e está paciente, por nós?
receio de dormir
pode que meu estômago não deixe
acordei com gosto de mandioca crua, e aquele branco na impressão imediata
esquisito e viajandão demais
dormir,
quero.