domingo, 25 de julho de 2021

descaso não é a melhor palavra | o dia fora do tempo


      






ano passado tinha um pé com um mamão gigante que vi amadurecer na minha mãe e não colhi. fiquei vendo a cada dia a passarinhada que fez uma caverna linda na fruta, e foi uma festa muito grande até que ele se desfez totalmente.

não consigo achar desperdício.  assim como os tomates que seguem o mesmo caminho aqui em casa, ou os alfaces que fico com pena de tirar, porque não sei quando vou poder brincar de plantar, e adoro tê-los ali. acho que quero que a Cibe veja as flores, sementes, não sei.

outro dia eu esqueci os feijões de molho. quando lembrei eles já estavam germinando numa água meio fermentada, não dava pra salvar.. doeu, eram muito lindos. aí peguei e joguei ali na frente de casa. poderia ter escolhido outro lugar, sabia que eram muitas também, que ia sair um pouco do controle, mas é isso, fiz e pronto.

de vez em quando o cara do condomínio passa e me sugere o Seu Élcio, pra dar um "jeito" no espaço, e eu digo aham. aqueles aham perdidos no tempo sabe. ... mas cheguei a sonhar, que um dia acordei e estava tudo cimentado, ai, aai.

passei um mês quase e segue, sem poder considerar minha casa, plantas, filha, a mais do que podia. não muito fácil. e não estou tranquila ainda. mas também se eu estiver muito tranquila não escrevo. muito estressada também não, então tudo certo.






domingo, 11 de julho de 2021



Eu tenho um histórico de assédio, abuso. Sempre tive horror de qualquer abordagem ou expressão masculina de rua, e me afinizo com a ideia de qua a objetificação "inocente" do corpo da mulher, não deve ser comprada como elogio, ou homenagem. Tem que parar.

Sabe, eu nunca tive pânico, ataque de ansiedade, mas sinto os reflexos dessa abordagem inoportuna. Pessoas que seguem... O homem se masturbando com porta aberta na esquina de casa enquanto eu criança varria a calçada. O episódio com meu tio. O homem que passou uma, passou várias vezes, dizendo algumas frases, e que desceu do carro quando eu estava entrando no meu condomínio à época, dizendo que precisava muito me conhecer, do quanto esse momento era especial, praticamente subindo as escadas comigo, e eu de menor, apavorada, e sem saber como me desvencilhar daquela situação. E o cara aparentemente inofensivo, que começou perguntando as horas, e na sequência me ofereceu R$50,00 para lamber minha axila? E era sério. Seguiu o meu caminho insistindo ainda, enquanto eu subia a rua de casa a noite na volta do trabalho, há uns bons anos atrás. Esse virou lenda urbana entre os amigos, inacreditável.

Bem. Palavras vulgares corriqueiras resolvi com fone de ouvido pelas ruas. Libertador. Tenho um texto, tinha, acho que perdi, mas que era sobre isso, a salvação de não ouvir. Por fim, as histórias foram rareando, mas nem tanto se pensar no meu ex-psicólogo de 2020. 

Impressionante, e não, lembrar que um dos meus primeiros pensamentos ao ver, e receber minha pequena Cibe nos braços foi exatamente isso. Como protegê-la. Esse mundo é estranho né. A gente precisa desconfiar, e a gente precisa confiar, se não, não vive.

Mas a lembrança é outra. E engraçado que é por ela que escrevo. E não sei se porque lembrei da música, ou da cena, mas estou com isso há dias.


Desci do meu prédio e fui ao mercado comprar pão. Uma reta comprida pra chegar lá, e eu distraída começo a ouvir de longe,

Índia seus cabelos nos ombros caídos,
Negros como a noite que não tem luar..

Começo a pensar no quanto gostava daquela música. Fazia parte do repertório de cantarolagem do meu pai, Cascatinha e Inhana, né, e tinha aquela sensação familiar, doce.

Seus lábios de rosa para mim sorrindo
E a doce meiguice deste seu olhar...,

Seguia ouvindo, pensando no quanto as novelas estragam nossos afetos musicais. Lembro que tinha uma passando, ou reprisando, sei lá, que tinha uma atriz global bem branca num papel de indígena, bem estereotipado enfim, e tinha essa música,.. era irritante.

Índia da pele morena
Sua boca pequena eu quero beijar...,

Identifiquei. Vinha da obra, era um prédio que já estava alto. E quando eu estava na frente da construção, já era quase a plenos pulmões...

Índiaaa, sangueee tupiiii
Temmm o cheirooo da florrr
Vemmm que eu queroooooo lhe daaaar
Toooooodooooo meu grannnnnde amooooooor..

Engraçado. Muito engraçado a cena. E eu entendi também que era pra mim. E estava morta de vergonha. E é claro, em situações similares sei fazer um "nem notei, e um, nem te vi" como ninguém. Mas não consegui. Comecei a rir. E olhei pra ele láaa no alto, tinha um colega de obra ao lado, rindo também. Mandei um tchauzinho, foi o que consegui, e segui.

Foi lindo.
Mas na volta passei pela rua de baixo.

É isso.






segunda-feira, 5 de julho de 2021