sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

ela e eu II [treze anos depois]

  


nunca te joguei. fui apagando aos poucos. aquela coisa de rascunho sabe, traço leve some fácil, os mais fortes, você vai ter que conviver, ou transformar em outra coisa no espaço da folha. falo isso pros aluninhos eles nunca ouvem. aí é um tal de rasgar folha e jogar fora..  que me deixa bem brava. mas já fui eles, então, processos.

fui te apagando aos poucos que nem aquele texto na folha já marcada de outros escritos, amassado na quina, meio rasgado, sujo de comida ou café. marcas de uso, apreço, apego.

entre um lápis e um papel, eu, você, quem seria o texto, e quem seria a folha? sou receptiva acho que posso ser folha. você reflete e  tergiversa, teoriza e floreia, mais inteligente talvez, ou quem sabe é melhor em carregar as tintas de um drama que eu nem conheço,  porque somos de outra natureza. bom, você fica com o texto e pronto,  ninguém vai brigar aqui. 

às vezes o texto se insinua com contornos interessantes, e antes  mesmo de ser assimilado  se apaga, incorporam-se as manchas, os vestígios ao ensaio, e a folha ganha em espessura, e em hipóteses.

não sou mais uma folha em branco. e não sou dona de mim. estou em processo, e tenho marcas que nem borracha, tampouco corretivo agora dão jeito. algumas linhas se confundem e isso é ótimo, cada uma é uma esperança, cada uma com sua experiência, e na mistura de sobreposições desenhos se formam. são cicatrizes, e são desenhos. e eu amo rascunhos justamente por isso. 

viu? a gente sempre pode estetizar sofrimento. mas não digo isso por mal, digo porque não resisto.