sábado, 16 de janeiro de 2021

cadernos

 



a segunda data escrita na folha era a mini-bruna tentando imitar a letra do pai. eu adorava o 2 dele, e amava o M e o A minúsculo. várias vezes minha mãe fez menção de jogar seus cadernos de poesia de adolescência fora. e eu, de criança pra adole, nunca deixei. aqueles cadernos me intrigavam demais. além de poesias variadas.. alguns escritos eram de meu pai. e apesar de achar seus textos pessimistas, amargos, sem final, e, quando mais criança, sem rimas, o que pra mim era um defeito gravíssimo, .. adorava percebê-los lá.

tinha uma cadência, uma dança na caneta, um estilo. eu observava, eu gostava, e queria imitar.  demorei pra perceber que a assinatura dele era seu próprio nome, e era mesmo. um dia disse pra ele que ia aprender a fazer igualzinho, e então comecei com meus garranchos a imitar sua letra. pedia pra ele assinar, e de novo, e mais devagar. .. lembro que ele fez até um tutorial, o passo a passo das volutas, o que fazer primeiro.. e segui. um dia fiz várias e misturei com os papéis que tinha as dele, e ele não conseguiu identificar, pegou uma minha! tinha conseguido. já podia até assinar os cheques do meu pai, se ele deixasse =).. nesse dia ele falou que eu podia ficar com ela como herança. ele me deu seu texto, ele me deu sua marca no mundo, foi bem forte pra mim. muito muito tempo passou, e esses dias percebi que eu perdi, não sei mais, não consigo mais reproduzi-la. coisas da vida.