segunda-feira, 12 de outubro de 2020

esse gostinho

 



eu observo as fotos. essa feição, a expressão. era pra ele que eu olhava, confiava, admirava. como eu gosto de ver. eu reencontro o amor mais puro que já senti por meu pai, antes de se contaminar muito com as tramas novelescas da vida, que adicionam um véu ao que é mais importante.

antes dele morrer eu fiz um exercício muito forte de me apegar ao que é mais importante. abraçar, beijar, cuidar, ser otimista idiota, aquela que jura que milagres existem contra fatos óbvios. nos últimos dias dele tinha dor física, tinha ele fingindo que conseguia comer sem desconforto pra não magoar a gente, tinha a gente fingindo acreditar, tinha umas patadas inesperadas, tinha noites de hospital com emendas em trabalho, tinha uma faca em cima da minha cabeça, tinha uma iminência, tinha .. como dizer, uma pouca resistência a ideia da morte dele. ele ia, já tinha aceitado e já desejava isso, pra não vê-lo sofrer. já tinha revisto e jogado fora as mágoas e estava investindo na profunda gratidão por tudo que ele conseguiu fazer por mim do jeito que ele pode. e aceitei  as palavras tímidas, o que veio de carinho, assim como compreendi e aceitei o que não veio. reconheci as tentativas como prova de amor, agradeci.

o que é mais importante? o que é mais importante? o que é mais importante? foi meu mantra nesse período. entrega, foi a sensação do período. perdão e agradecimento, foram muito presentes.  quis liberar tudo, quis entregar pra terra tudo de ruim junto com o corpo dele. 

no dia das crianças eu penso nele, porque se eu olho pra trás tem ele sempre fazendo ponta em alguma lembrança, por presença ou por ausência. não sou chegada a homenagens piegas, nem ele, que faria um comentário irônico pra cada frase, corrigiria meus erros de português,  e ainda me chamaria de chata.
não tô nem aí pai. 
saudades e pronto.
e chato é você, eu ainda tô no play..



agora.. 
como é que eu faço pra Cibe ser feliz, plenamente protegida pra poder viver imersa nessa inocência infantil, criar, recriar, interagir em inteireza sem que nada corte esse fluxo, essa energia, essa força motriz pra vida? penso muito nisso. quando recebi ela no colo foi exatamente essa sensação que veio.  tenho uma amiga com aquela frase histórica do incrível, "eu queria ser incrível mas não consigo", pois é, eu também queria. mas meu olhar é atento, pelo menos gostaria de não reproduzir coisas que não achava legal desde pequena. é muito fácil, automático reproduzir, .. sigo tentando não. 

é o segundo dia 12 por coincidência que ela passa com o pai, nesse novo modelo de família. eu fico feliz com a felicidade dela, eu respiro fundo e permaneço bem aqui.