terça-feira, 6 de outubro de 2020

eu não sou gato de ipanema..

  
eu lembro da linha do horizonte, aquela paisagem em que a  vista se perde

das calçadas largas

das plantações de cana, trigo, café, algodão

na época de queima da cana caía uma chuva de cinzas na cidade toda, uns floquinhos que ao tocar no corpo se desfaziam. roubar cana não pode! cuidado com as plantações de cana! especialmente mulheres..

na colheita de algodão a gente se metia no meio pra brincar, quem colhia mais algodão, e mais rápido? aí nossos montes iam pros conhecidos.

no trigo era esconde-esconde, pega-pega.

o cafezal só sabia ser lindo, mas as vezes punha umas frutinhas vermelhas na boca.

nas minhas cidades também tinha uma época em que chovia besouros, muitos, e meu irmão mais novo corria atrás de mim pra jogar no meu cabelo. fazia isso com as cigarras que explodiram também.

a gente se metia no mato, nos pastos. eu adorava tirar cristal da terra. eu tinha uma coleção de pedras e folhas! e na mudança de estado, nunca me esqueço, se perdeu.

tinha um comercial que dizia sempre pra prestar atenção ao botar sapatos, pois  você nunca sabe o que poderia ter dentro. aí de uma bota de sítio saia uma cobra. e eu sempre ficava impactada com aquela cena.

minha mãe e meu pai faziam canteiros. em uma casa, em Siqueira, fizeram linhas compridas no quintal onde plantaram milho. ficou lindo, e nos fundos a gente pegava suas folhas longas e balançava na cerca, não era muito perto, mas as vacas vinham comer, adoravam e a gente também, fazíamos sempre.

em Siqueira também, não depois dos seis anos, eu senti uma dor aguda na barriga. era apendicite. doía muito. fui internada, ganhei muitos agradinhos, fiz bastante manha. doía muito levantar, tinha que chamar a mãe toda hora quando em casa, um tempo sem escola, aquela coisa... nessa época resolveram asfaltar nossa rua. eu me lembro de estar no solzinho da calçada, e passavam máquinas pra lá, pra cá, pedronas pra lá, pedrinhas pra cá, asfalto pra lá, pra cá, muitas e muitas vezes, e eu não entendia muito, apesar de estar atenta e imersa. .. sempre penso que se não tivesse operada teria saído bem antes, mas na verdade foi bem hipnótico. depois disso nunca mais vi asfalto tão bem feito como aquele.

tinha as brincadeiras de rua ao entardecer, as vezes eu ia, outras não tinha coragem  só ficava olhando de casa. eu tinha um quê de trava, então ir ou não ir, a interação ou não, nunca era tranquilo, mexia comigo. 

é.  ..sou bicho do Paraná, como diz a música do João Lopes, que também era trilha de comercial de TV. 

mas sem muita nostalgia sabe. não troco nenhuma hora do meu presente por um momento de vida no passado. sei de onde vim, celebro o que sou, e acolho as experiências que me constituíram. 

tudo parece tão longínquo.. literatura pra minha Cibe talvez,

e só.





agora, francamente gente, esse cabeelo..   |   Itambaracá/Pr