quarta-feira, 28 de junho de 2023

o passeio da graça de um fruto | a coisa esquisita de conviver



parece bobagem, mas não consigo mais descascar uma laranja sem curtir muito o momento, e refletir no quanto ela é um acontecimento

cada uma que eu vi nascer na laranjeira aqui do lado de casa, tooodo o tempo que levou de sua formação ao amadurecimento. a apoteose, euforia do momento de colher, provar.. é algo de muito luxuoso, um privilégio.

o tempo de observação, essa convivência aproximada, fez eu me apaixonar. fez eu rever todas as vezes que lidei com esse e outros alimentos de formação direta na terra como algo, produto banal, e me colocou nessa posição de acompanhar, namorar, desejar..

fez também eu ter remorso de ser tão péssima administradora de geladeira. a partir de então passei a concordar que desperdício é um pecado,  um presente desperdiçado, não reconhecido, um amor não correspondido.

a beleza, a abundancia, o quanto um pé lotado de frutas em casa é um convite à generosidade, à partilha, né, é muito lindo.

agora quem tá se desenvolvendo é a nectarina, que me sinto muito chique dizendo seu nome. a flor é lindinha com um cheiro suave do buquezinho que se forma, já secou, os frutinhos estão pequeniniiiinhos, tá indo e lindo.

vou falar sobre o que eu não tenho muito acho, mas percebo e tento desenvolver. esse exercício de presença né, de trajetória, de proveniência. 

se nós somos consequência de uma série de eventos e situações entrelaçados e em cadeia, seria interessante essa reverencia a esse acontecimento, que te sustenta, que te atravessa para todas as ações generosas também, que você poderia promover no mundo. afinal, parece que a gente também é um fruto da mãe terra, no exercício de existir, e conviver, contribuir, crescer e frutificar de alguma forma ou outra.

hoje eu acordei viajona, querendo fazer tudo o que me proponho sem me frustrar, estar bem, vamos ver.

mas essa coisa de ter consciência né, de se colocar no lugar do outro, de refletir que algumas coisas são mais importantes que seu prazer, o exercício de se abster, de ser criativo com o que se tem. de não ter mais do que precisa. o exercício de olhar pro lado, não é só você, não só sua família, não só o que você quer ou gosta, não é só sua espécie, não se vive pra sempre, nem se estaciona num tempo só. aquelas coisas..

complexidades da vida. nada nada é simples, embora pudesse ser, quem sabe um dia de alguma forma até seja. vai saber.



agora no fim do dia, mmmuito bem instalada na minha rede, onde acrescentei almofada e cobertinha, agora nem sei mais quando saio, sério. estava tentando ler, concentrar um pouco.  

aí  me dei com uma parte que combina de algum modo, ou me fez lembrar desse escrito de hoje. então trouxe, vai viver aqui esse fragmento, assim não esqueço.

A origem do nosso mundo não está num acontecimento, infinitamente distante no tempo e no espaço, a milhões de anos-luz de nós - e tampouco num espaço de que já não temos mais nenhum vestígio. Ela está aqui, agora. A origem do mundo é sazonal, rítmica, intermitente como tudo que existe. Nem substância nem fundamento, não está nem no chão e nem no céu, mas à meia distância entre um e outro. Nossa origem não está em nós - in interiore homine -  mas fora de nós ao ar livre. Não é algo de estável ou de ancestral, um astro de dimensões desmesuradas, um deus, um titã. A origem do nosso mundo são as folhas: frágeis, vulneráveis, e, no entanto, capazes de voltar e reviver após terem atravessado a má estação." p.32