quarta-feira, 1 de março de 2023

 

dona Vera estava sentada no sol. o sol era muito importante para ela, se não tinha, ela caia de cama.

dona Vera estava sentada no solzinho. eu e Leonardo brincávamos e brigávamos alternando à sua volta, casa muitas vezes por arrumar.

tinha um quintal no fundo, grande, que terminava num pasto. agitávamos folhas de milho pra chamar os bois, adorava ver eles saindo da fila, vinham vários pra comer da nossa mão.

minha vó, agora tô em dúvida de qual mas, mas minha mãe também, me mostrou como brincavam com bonecas feitas da casca e cabelo do milho, na antiga delas.

não sei porque, inventaram de plantar milho em casa, fizeram carreiras, plantaram, cresceram e a gente corria pelas fileiras. tudo vago. mas era Siqueira, a cidade que eu nasci. era casa da apendicite. era a casa que estraguei a fachada tentando aprender a andar de bicicleta, e era a casa das olarias.

a gente de zoeira no quintal. dona Vera sentada no sol de olhos fechados. tricotando. lendo um livro. fazendo a gente ouvir algum trecho interessante do livro e brigando com a gente porque não estávamos  prestando atenção..

eu tinha mais ou menos a idade da Cibe. ela me falava como se sentia, tiveram épocas que ela falava até mais do que eu estava disposta como filha. mas ela queria que eu refletisse, e acho que ela queria ser ouvida já que sempre foi muito sozinha, sobretudo ela queria que eu fosse diferente dela.

tão diferentes, tantas similitudes.

eu observava minha mãe, hoje eu entendo muitas vezes mais o que ela sentia, mas sei que não alcanço tanto. e também não quero que minha filha seja como eu. não quero um futuro semelhante. queria que certas experiências terminassem comigo. eu rezo pra conseguir respeitar as suas escolhas, mas influir positivamente em algumas. pra crescer com a experiência da maternidade aproximando minha filha, não afastando. não sei.

quando não era a hora dos bois, às vezes a mãe chamava a gente pra andar. passávamos pelo buraco da cerca e seguiamos pro mato, pros riozinho, brincar e desbravar. muitas vezes eu ficava como medo da gente nunca mais achar o caminho de volta pra casa. mas amava a aventura.

saudade dela.