terça-feira, 19 de março de 2024

Cibe, você sabe o que é intolerância religiosa??

 

ano passado, Cibe tava cantando ponto na escola.

só de pensar já começo a rir. ela adora cantar comigo, especialmente no  carro. mas depois fiquei preocupada.

já pensou? portão de ferro, cadeado de madeira é na porta do cemitério onde mora exú caveira, bem alto na sala de aula? fico rindo sozinha, muito, só de pensar.

e me lembro de algumas vezes conversar com a profe, e ela aludir a religiosidade, ao respeito às crenças e tal, ahhh lembrei! ela veio me dizer que Cibe estava dormindo em sala. e que ela havia comentado que era por causa do Centro, que voltava tarde. Cibe tem uma noção de tempo lúdica sabe.

simm voltamos passado horário dela dormir, mas é sempre às sextas, não justificaria, a não ser por alguma rotina mais intensa na casa do pai, com quem ela acaba ficando o meio da semana, terça à quinta, expliquei pra prof.

pra Cibe conversei com ela, disse que os pontos era pra gente guardar sempre pra cantar nas noites de gira, ou então pra quando a gente pudesse cantar junto, porque são musicas de reza e cura, precisam ficar protegidos no nosso coração.

ano passado foi isso. e ficou por isso.

eesse aaano. eis que Willian, o professor de matemática que assumiu a casa depois que o Murilo, prof. de Ed. Fisica se mudou, foi embora também, grávido com sua amada, partiram pra outra morada. 

a casa 4 ficou vazia, e ficou vazia um temmmpão,  estava adorando, até que Jéssica, personal trainer, recém separada, se mudou com sua filha Maria Clara, 7 anos também, realizando o sonho de Cibe, de ter uma amiguinha no condomínio. ela está eufórica. a menina também ficou feliz, pensa num chiclete. as duas.

que não seja evangélica, que não seja evangélica, que não seja evangélica, que não seja evangélica, foi meu mantra até descobrir, Jéssica É evangélica.

depois de azedar geral, ter uma baita crise de malumor, pensar, pensar. o que eu faço, não posso podar a naturalidade da Cibe. mas não posso provocar a onda supostamente insana da visinha, e possíveis preconceitos advindos da própria pregação de determinados pastores em cultos de diferentes linhas, grande maioria na verdade, que conste.

aí tentei.

Cibe, você sabe o que é intolerância religiosa??

expliquei com as palavras mais simples, dei exemplos, contei que tem pessoas com dificuldades em aceitar as escolhas religiosas diferentes da sua, que acha, acredita que só sua igreja salva, que  é a única que garante um bom lugar depois que morre, que é capaz inclusive de entrar em guerras, que pensa que só o seu canto é de luz, que só a sua reza acessa a um Deus, ou  uma energia poderosa exclusiva, e então olha para o que é do outro com desconfiança,  desqualifica, enfim.

Cibe, você lembra que você me disse que as vizinhas novas frequentam igreja? 

normalmente essas pessoas tem preconceito com o diferente, não sabem lidar com a escolha dos outros. sabe o que seria bom? lembrar de guardar o nosso reza só pra nós, pra nossa sexta, pros nossos momentos de canto. .. quando a gente for no Centro, diz que vamos sair, não precisa dizer onde a gente vai. isso se chama preservação. não é um segredo entende, é um resguardo.

enfim.. eu tentei.

alguns dias depois me arrumando para sair, Cibele estava em casa no fim do dia e elas brincavam um pouquinho no intervalo entre quase sair e não sair, e eu ouvi as duas conversando..

elas estavam reclamando de se separar, e a amiga pergunta para Cibe aonde que ela ia.  

a resposta veio rápida, simples e espontânea, com todas as palavras ahh hoje nós vamos para o Centro de Umbanda.. bem assim, com todos os efs e errees.

eu ouvi, dei uma mini fervida, depois comecei a rir né. é isso. na medida, eu introduzi uma situação. decidi que de vez em quando vou repetir a pergunta e ter essa conversa de forma recorrente, e vou reforçar o verbo dela. 

Cibe, você sabe o que é intolerância religiosa??

é muito bom que ela tenha na ponta da língua um.. eu respeito a tua, você respeita a minha , né.

é o que eu sinto no momento. além de desconforto, eles criaram o desconforto e a ojeriza em mim, por tudo que as personalidades dessa religião tem feito, especialmente com a inserção na política. 

mas eu prezo pelo respeito e tolerância, vamos ver..


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na nossa infância, época de Iguaraçu, a mãe teve uma amiga crente. minha mãe nessa época frequentava um Centro Espírita desses tipo Kardecista, nossa infância teve um pouco disso, boa parte dela até.

a princípio ela se mostrou aberta, disse que não se importava, e ficou bem proxima da minha mãe. mas o que soubemos depois é que o pastor tinha dado a missão de conversão. como ela não obteve sucesso, em dado momento disse que era melhor romper, e foi bem triste porque do nada, ela se afastou, tipo, apagou a gente. 

as casas eram próximas, ela tinha um filinho pequenininho o Betinho, que chorava, queria ver, brincar, e aí, parecia que a gente tinha doença.., as vezes ele fugia e vinha correndo pra dentro da nossa área, ela vinha na sequência em desabalada carreira, pra levá-lo mais rápido ainda. um escândalo.

foi mais difícil pra ela com certeza, se prestar a um papelão desses, rejeitar do nada uma amiga. prender o filhinho em casa. e também como já disse, mami sempre conversou muito com a gente. 

olha.., e isso durou até o final de nossa morada naquela cidadinha.

logo fomos embora. dalí a mudança seria pra Londrina, meu pai já estava desempregado e queria se estabilizar perto de seus pais e irmãos, era um sonho antigo.

eu me lembro da Rose sair da casa dela com Betinho, a gente já ia entrar no carro..,  e ela  veio abraçar minha mãe muito forte e pedir perdão, dentre outras coisas, muito acalorada e arrependida.

foi marcante pra gente.

emblemático pra mim.

as pessoas tem cada uma.

não quero viver algo assim.

rezo.